De forma simplificada, os consórcios públicos podem ser conceituados como uma união de esforços entre entes federativos, através da formalização de um ajuste que permite a criação de uma pessoa jurídica específica para prestar determinado serviço.
O principal fundamento dos
consórcios públicos é o chamado FEDERALISMO COOPERATIVO.
Trata-se de um modelo de
federalismo baseado na cooperação entre os entes federados, através do chamado
“diálogo inter-federativo”. Tal ideia é expressa no artigo 241 da CRFB, que
traz o embasamento constitucional para a criação de consórcios públicos:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de
cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços
públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços,
pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos
Outro fundamento é a
importante noção de CONSENSUALIDADE no direito administrativo contemporâneo.
Tal ideia prega a substituição da clássica Administração Pública impositiva ou
autoritária por uma ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONSENSUAL, viabilizada principalmente
através de PARCERIAS. Estas parcerias podem ser parcerias publico-privadas
(como as PPPs da L11079 e os convênios firmados com particulares, estudados na
questão anterior) ou parcerias publico-publicas (dentre as quais se
destaca o consórcio público, como uma parceria entre entes federativos).
A lei responsável por
disciplinar a criação de consórcios públicos foi a Lei 11107/05, que assim
dispõe em seu art. 1º:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a
realização de objetivos de interesse comum e dá outras providências.
Essa lei trouxe importantes
regras para a criação de consórcios públicos, dentre as quais podemos destacar
as seguintes:
- O consórcio público passa a
ser tratado como um CONTRATO, em que pese o clássico entendimento doutrinário
de que possui natureza de convênio (tendo em vista a existência de interesses
convergentes entre os entes federativos).
Art. 3o O consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá da prévia subscrição de
protocolo de intenções.
- A celebração do consorcio
fica condicionada à prévia autorização legislativa, que se dará através da
ratificação do “protocolo de intenções” pelo poder legislativo de cada ente
federado, conforme veremos.
- Passa a haver a exigência de
PERSONIFICAÇÃO do consórcio. Em outras palavras, deve ser criada uma pessoa
jurídica específica para desenvolver a atividade objeto do consórcio. Essa pessoa
pode ser de direito publico – caso em que será denominada de ASSOCIAÇÃO PÚBLICA
ou consórcio publico de direito publico - ou de direito privado – podendo ser denominada
de consórcio publico de direito privado.
Art. 1º, § 1o O consórcio
público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.
A Associação Pública
(consórcio público de direito público) consiste em uma pessoa jurídica de
direito público, criada por lei, e que integrará a administração indireta de
todos os entes consorciados.
Art. 6º, § 1o O consórcio público com personalidade jurídica de direito
público integra a administração indireta de todos os entes da Federação
consorciados.
Por essas características, a
doutrina majoritária indica que a Associação Pública seria uma espécie de
autarquia, mas especificamente uma AUTARQUIA INTERFEDERATIVA ou
TRANSFEDERATIVA, por integrar a Administração Indireta de diversos entes
federativos. O Código Civil de 2002 também parece aduzir no mesmo sentido:
CC2002, Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
IV - as autarquias, inclusive
as associações públicas;
Quanto ao consórcio público de
direito privado, em que pese a omissão do legislador, a doutrina majoritária
entende que também integrará a administração indireta dos entes consorciados.
No entanto, trata-se de pessoa jurídica de direito privado, que não se confunde
com uma autarquia.
Qual o processo de criação de um
consórcio público?
A celebração do consórcio
público deve seguir um determinado procedimento traçado pela L11107, o qual
explicaremos de forma sucinta:
1)
Protocolo de Intenções:
Inicialmente, os entes que
pretendem se consorciar devem celebrar o chamado “PROTOCOLO DE INTENÇÕES”.
Trata-se de uma espécie de
minuta do futuro contrato de consórcio, que deve conter algumas cláusulas
essenciais previstas no art. 4º da L11107, tais como a denominação, finalidade,
prazo de duração e sede do consórcio.
Observação: Por serem tratados
como contratos pelo legislador, os consórcios devem ter prazo determinado.
2)
Ratificação legislativa:
Cada representante (cada ente
federado) deverá aprovar o protocolo de intenções por sua respectiva casa
legislativa (Congresso Nacional, se União; Assembleia Legislativa, se Estado; e
Câmara de Vereadores, se Município).
A casa legislativa pode
aprovar integral ou parcialmente (aprovação com reservas) o protocolo de intenções.
Se houver essa reserva e o consórcio for criado, teríamos um “consorciamento
parcial objetivo” (à semelhança do que ocorre na sistemática dos tratados).
Se um dos entes não obtiver a
aprovação legislativa, não poderá participar do consorcio, podendo este seguir
com os demais. Nesse caso, teríamos um
“consorciamento parcial subjetivo”.
L11107, Art. 5o O contrato de consórcio público será celebrado com a
ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções.
§ 1o O contrato de consórcio público, caso assim preveja cláusula, pode
ser celebrado por apenas 1 (uma) parcela dos entes da Federação que
subscreveram o protocolo de intenções.
§ 2o A ratificação pode ser realizada com reserva que, aceita pelos
demais entes subscritores, implicará consorciamento parcial ou condicional.
§ 3o A ratificação realizada após 2 (dois) anos da subscrição do
protocolo de intenções dependerá de homologação da assembléia geral do
consórcio público.
§ 4o É dispensado da ratificação prevista no caput deste artigo o ente
da Federação que, antes de subscrever o protocolo de intenções, disciplinar por
lei a sua participação no consórcio público.
No §4º do art. 5º se
estabelece a desnecessidade dessa ratificação legislativa posterior se o ente
federado já tiver uma lei própria autorizando a sua participação no consórcio.
Dessa forma, verifica-se que o
legislador sempre terá participação necessária, sendo inviável a celebração de
um consórcio publico que não passe pelo crivo do legislativo (seja previa ou
posteriormente).
3)
Assinatura
Com a assinatura, a minuta
consubstanciada no protocolo de intenções irá se tornar de fato um contrato.
4)
Criação da pessoa publica ou privada:
É a chamada PERSONIFICAÇÃO do
consórcio, através de uma pessoa jurídica de direito público (associação
pública) ou de uma pessoa jurídica de direito privado (consórcio público de
direito privado).
OBS: Enquanto a associação
publica será criada a partir da vigência das leis que ratificaram os protocolos
de intenções, o consórcio público de direito privado dependerá da inscrição de
seus atos constitutivos no registro competente, tal como ocorre com as pessoas
privadas em geral.
Art. 6o O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:
I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante
a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;
II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da
legislação civil.
Em que consiste o “Contrato de
Rateio”?
O CONTRATO DE RATEIO é um
instrumento que tem por objetivo principal apenas viabilizar a transferência
de recursos orçamentários do ente consorciado para o próprio consórcio.
Art. 8o Os entes consorciados somente entregarão recursos ao consórcio
público mediante contrato de rateio.
§ 1o O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro
e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com
exceção dos contratos que tenham por objeto exclusivamente projetos
consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão
associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos.
§ 2o É vedada a aplicação dos recursos entregues por meio de contrato
de rateio para o atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências ou
operações de crédito.
§ 3o Os entes consorciados, isolados ou em conjunto, bem como o
consórcio público, são partes legítimas para exigir o cumprimento das
obrigações previstas no contrato de rateio.
§ 4o Com o objetivo de permitir o atendimento dos dispositivos da Lei
Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, o consórcio público deve fornecer as
informações necessárias para que sejam consolidadas, nas contas dos entes
consorciados, todas as despesas realizadas com os recursos entregues em virtude
de contrato de rateio, de forma que possam ser contabilizadas nas contas de
cada ente da Federação na conformidade dos elementos econômicos e das atividades
ou projetos atendidos.
§ 5o Poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o
ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos
adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por
meio de contrato de rateio.
O objeto do contrato de rateio
é simplesmente essa transferência de recursos orçamentários. Com isso, o prazo
máximo de vigência do contrato de rateio é de 1 ano, mesmo prazo de vigência da
lei orçamentária anual.
Mas a L11107 traz algumas
exceções a esse prazo máximo, como nos casos de transferências já previstas no
Plano Plurianual (PPA) ou quando o consórcio publico prestar serviço público
remunerado exclusivamente por tarifa. No primeiro caso, tendo o PPA prazo de 4
anos de vigência, natural que o prazo do contrato de rateio também possa ser
estendido. No segundo caso, como a tarifa se refere à verba particular, que não
envolve recurso do orçamento, também é lógico que não haja essa limitação de
vigência anual.
E o contrato de programa? Qual
seria sua função?
O CONTRATO DE PROGRAMA, por
sua vez, tem por objeto obrigações diversas, que não envolvem diretamente o
orçamento.
Pelo contrato de programa o
ente pode transferir pessoal, bens e serviços para o consórcio, com o fim de
viabilizar a prestação da atividade.
L11107, Art. 13. Deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa, como condição de
sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro
ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada
em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou
parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade
dos serviços transferidos.
A lei permite que o contrato
de programa seja celebrado entre o ente e o consórcio ou entre os próprios
entes consorciados.
Quanto ao prazo, o contrato de
programa permanece vigente mesmo após a extinção do consórcio. É um caso de ultratividade
do contrato, pra que o interesse público e os serviços não sejam
prejudicados.
§ 4o O contrato de programa continuará vigente mesmo quando extinto o
consórcio público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada
de serviços públicos.
Para que seja melhor
visualizada a distinção, veja o quadro que traçamos: